sábado, 2 de outubro de 2010

Entrevista com o mestre Dalai Lama - (Adam Yauch)

Sua Santidade Tenzin Gyatso, o 14° Dalai Lama do Tibet, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1989. Adam Yauch é integrante dos Beastie Boys e co-fundador do Milarepa Fund. Texto gentilmente cedido por Adriano Morallis.

Adam Yauch: Poderia falar sobre a responsabilidade universal?

Dalai Lama: Eu acredito que o perdão, a bondade e a compaixão são qualidades importantes porque sevem como um fundamento para a calma e estabilidade mentais, e o futuro da humanidade depende disso. É meu dever, como cidadão deste planeta, contribuir o melhor que eu puder para a o bem-estar universal. A tecnologia está transformando o mundo em uma comunidade global e todos nós estamos relacionados uns com os outros. Muitas das questões atuais, tais como a destruição do meio ambiente e os sistemas econômicos em vigor, transcendem as fronteiras e portanto são questões globais. Então, todos precisam compartilhar de um senso de responsabilidade universal. Sempre achei que as pessoas são as mesmas, em todos os lugares. As diferenças de raça, cultura e religião não são importantes. Já que somos todos os mesmos, precisamos ter um senso de responsabilidade pelo bem-estar de cada um.

AY: E como poderíamos ver o entendimento budista de interdependência nos termos de direitos humanos?
DL: A violação dos direitos humanos hoje é um sintoma com causas subjacentes; então, para reduzir ou remover completamente as violações dos direitos humanos, precisamos lidar primeiro com suas causas. Poderiam ser motivos políticos ou econômicos. Em alguns casos, as violações de direitos humanos podem ser baseadas em vingança pessoas ou por parte dos governantes. Então, poderiam haver muitos motivos subjacentes para as violações dos direitos humanos.

AY: Poderia falar um pouco sobre a situação do Tibet?
DL: Sim, mas primeiro devemos achar alguma base comum para o nosso diálogo e nossas negociações. Estou pronto para negociar, em qualquer lugar, a qualquer hora, sem pré-condições. A coisa mais importante, em qualquer lugar ou hora, é um ambiente livre para trocar diferentes idéias. A independência pertence legitimamente aos tibetanos. Desde que os chineses ocuparam o Tibet, e apesar de algumas mudanças positivas, as pessoas têm sofrido tremendamente, imensamente. Como resultado, a maioria do povo tibetano, incluindo os jovens comunistas tibetanos, não querem viver sob a dominação chinesa. Mas também não é realista pensar na independência completa. Então, eu estou procurando um Caminho Intermediário.

AY: Nós não estamos esperando muito para lidar com esta situação?
DL: No conflito bósnio, senti que a comunidade internacional estava atrasada. Estes eventos infelizes tinham muitas causas e condições que tomaram anos para se desenvolver. Se tivéssemos tomado conhecimento na época em que estas causas e condições estavam se desenvolvendo, talvez teria sido muito mais fácil lidar com elas. Exceto se nós fizermos uma investigação no nível causal, exceto se nós tivermos uma atenção específica, muitas vezes não é muito visível o que está errado. Não é sempre óbvio que as causas estão construindo uma crise potencial; depois percebemos que deveríamos ter tido maior atenção com o que estava acontecendo.

AY: Eu ouvi você dizer, em entrevistas anteriores, que as autoridades chinesas, apesar de terem causado tanto destruição no seu país, têm sido um grande mestre para você. Muitas vezes, no Ocidente, é realmente mais fácil ver seus inimigos como inimigos e seus amigos como amigos.
DL: Os conceitos de "amigo" e "inimigo" realmente dependem de muitas condições. A verdade é que o status de nossos amigos e inimigos pode mudar em um ano, uma década ou muitas décadas. Nossos inimigos não são necessariamente inimigos permanentes, nem nossos amigos são amigos permanentes. Acho que nossas percepções de "amigo" e "inimigo" dependem de nossas atitudes mentais. Na realidade, inimigos e amigos não possuem um status permanente. Por causa disso, você pode se encorajar em práticas de troca de idéias, que podem permitir que você faça a mudança dentro de si.

AY: Os não-budistas podem praticar essa troca de idéias?
DL: Os cristãos acreditam que todos os seres foram criados por Deus; então, mesmo no senso cristão, todos os seres são irmãos e irmãs. Nessa base, você pode praticar a troca de idéias. Mesmo os não-cristãos podem praticar a troca de idéias com seus amigos. Mas não sei sobre estender isso aos seus inimigos (risos). Talvez você deva esperar até que o inimigo lhe dê um presente (mais risos).

AY: Foi difícil ser reconhecido como o Dalai Lama quando era jovem?
DL: Como um jovem garoto, às vezes eu pensava que seria mais fácil ser uma pessoa comum do que ser o Dalai Lama. Geralmente, eu tinha esses sentimentos sozinho em minha sala no Palácio Potala, que era muitas vezes frio e desconfortável. Eu queria ver as crianças voltando para casa, após cuidarem dos animais, e ouvi-las cantando e rindo, enquanto eu tinha que ficar sentado em minha sala solitária e recitar orações difíceis. Mas quando cresci, eu entendi o objetivo da vida, que para mim é viver pelo benefício da humanidade e dos seres suscetíveis. Os humanos têm inteligência e determinação, e podemos usar estas qualidades para encarar nossos problemas. Também é bom que existam os desafios, pois deste modo podemos exercer estas qualidades. Deste ponto de vista, saber que somos capazes de solucionar nossos próprios problemas pode nos dar força interior.

AY: Como nós, enquanto indivíduos, podemos contribuir para melhorar o mundo?
DL: Eu sinto que, como indivíduos, precisamos desenvolver a compaixão e um senso de fraternidade. Por compaixão, não entendo simplesmente como sentir complacência. A compaixão propriamente dita significa um sentimento de proximidade com os outros e, junto com isso, um senso de responsabilidade. Acredito que, ao nascer, todos os seres humanos estão livres da ideologia mas não da afeição. Apesar do ódio e dos sentimentos negativos serem parte da natureza humana, o amor e a compaixão dentro de nós são ainda maiores.




Autor: Adriano Morallis
Fonte: www.dalailama.org.br/ensinamentos/adam.php

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