quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Fazer Renascer o Natal - (Texto de Frei Beto)

"O melhor da festa é esperar por ela, diz o provérbio. O melhor do Natal é ter passado por ele, sentem muito sem dizer. É insuportável a fissura, a loucura e o desequilíbrio desencadeados pelas festas de fim de ano. O consumo e compras compulsórias de produtos, o apetite compulsivo de comilanças, a máscara da alegria estampada no rosto para encobrir o bolso furado, a corrida aos espaços de lazer, as estradas engarrafadas com mortes no trânsito e pedágios caríssimos, as filas intermináveis nos supermercados, os sinos de papel envoltos nas fitas vermelhas dos shoppings centers, aquela mesma musiquinha marota, tudo satura o espírito.
Seria este anticlima um castigo divino à nossa reverência à figura de Papai Noel?
Natal é pouco verso e muito reverso. Em pleno trópico e no verão, nossa imitação enfeita de neve de algodão a árvore de luzinhas intermitentes. O estômago devora castanhas, nozes, avelãs e amêndoas, quando a saúde pede saladas, legumes e principalmente jejuns e purificações.
Já que o espírito arde de sede daquela Água Viva do poço de Jacó (João 4), afoga-se o corpo em álcool e gorduras buscando, em vão, alimentar o vazio existencial. A gula de Deus busca, em vão, saciar-se no ato de se empanturrar na mesa.
Talvez seja no Natal que nossas carências fiquem mais expostas. Damos presentes sem nos dar, sem cuidarmos de nós, recebemos sem acolher, brindamos sem perdoar, abraçamos sem afeto, damos a mercadoria um valor que nem sempre reconhecemos nas pessoas. No íntimo, os verdadeiros buscadores, estão inclinados à simplicidade da manjedoura. O mal estar decorre do fato de nos sentirmos mais próximos dos salões de Herodes, de nossas ilusões, medo e de sonhos que desistimos
No Brasil, este Natal é de Reis “magros”. A nação, condenada a sustentar todo tipo de parasitas, corruptos, governantes e economistas que sacrificam o povo, dá as costas às alegrias do presépio para trilhar, com recessão, salários diminutos e tributos aumentados; instituições incompetentes e falidas que cuidam de legislar a seu favor, o caminho do Calvário.
Sem que fôssemos consultados, o Brasil foi vendido ao capital da pirataria especulativa, que saqueia nossas bolsas, quebra nossas pequenas e médias empresas, leiloa nosso patrimônio público, dilapida nosso sistema de ensino e gangrena o da saúde, segurança e "justiça". E ainda nos insistem em nos convencer de que esta é a melhor rota para o futuro e que devemos votar naqueles que seqüestram nossos anseios de felicidade.
Mudemos nós o Natal. Abaixo o Papai Noel, viva o Menino Jesus! Em vez de presentes, presença – junto à família, aos que sofrem, aos enfermos, aos soropositivos, às famílias das vitimas de crimes, às crianças de rua, aos dependentes de drogas, aos deficientes físicos e mentais, aos excluídos.
Façamos da ceia, cesta a quem padece de fome e do abraço laço de solidariedade a quem clama por justiça. Instalemos o presépio no próprio coração e deixemos germinar Áquele que se fez pão e vinho para que todos tivessem vida com a fartura e a alegria.
Abandonemos a um canto, a árvore morta coberta de lanjetouras e plantemos no fundo da alma uma oração que sacie nossa fome de transcendência.
Deixemo-nos, como Maria, engravidar pelo espírito de Deus. Então, algo de misteriosamente novo haverá de nascer em nossas vidas."

sábado, 12 de dezembro de 2009

Estamos com fome de amor... - (Arnaldo Jabour)

"O que temos visto por ai ???

Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micro e transparentes.

Com suas danças e poses em closes ginecológicos, cada vez mais siliconadas, corpos esculpidos por cirurgias plásticas, como se fossem ao supermercado e pedissem o corte como se quer... mas???

Chegam sozinhas e saem sozinhas.....

Empresários, advogados, engenheiros, analistas, e outros mais que estudaram, estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e..... sozinhos

Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos "personal dancer", incrível.

E não é só sexo não!

Se fosse, era resolvido fácil, alguém dúvida?

Sexo se encontra nos classificados, nas esquinas, em qualquer lugar, mas apenas sexo!

Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho, sem necessariamente, ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico na cama ... sexo de academia . . .

Fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçadinhos, sem se preocuparem com as posições cabalísticas...

Sabe essas coisas simples, que perdemos nessa marcha de uma evolução cega?

Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção...

Tornamo-nos máquinas, e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós...

Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada nos sites de relacionamentos "ORKUT", "PAR-PERFEITO" e tantos outros, veja o número de comunidades como: "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra viver sozinho!"

Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários, em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis. Se olharmos as fotos de antigamente, pode ter certeza de que não são as mesmas pessoas, mulheres lindas se plastificando, se mutilando em nome da tal "beleza"...

Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento, e percebemos a cada dia mulheres e homens com cara de bonecas, sem rugas, sorriso preso e cada vez mais sozinhos...

Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário...

Pra chegar a escrever essas bobagens? (mais que verdadeiras) É preciso ter a coragem de encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa...
Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia isso é julgado como feio, démodê, brega, famílias preconceituosas...

Alô gente!!! Felicidade, amor, todas essas emoções fazem-nos parecer ridículos, abobalhados...

Mas e daí? Seja ridículo, mas seja feliz e não seja frustrado...
"Pague mico", saia gritando e falando o que sente, demonstre amor...

Você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta mais...

Perceba aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, ou talvez a pessoa que nada tem a ver com o que imaginou mas que pode ser a mulher da sua vida...
E, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso a dois...

Quem disse que ser adulto é ser ranzinza?

Um ditado tibetano diz: "Se um problema é grande demais, não pense nele... E, se é pequeno demais, pra quê pensar nele?"

Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo, assistir desenho animado, rir de bobagens ou ser um profissional de sucesso, que adora rir de si mesmo por ser estabanado...

O que realmente não dá é para continuarmos achando que viver é out... ou in...

Que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo, que temos que querer a nossa mulher 24 horas maquiada, e que ela tenha que ter o corpo das frutas tão em moda na TV, e também na playboy e nos banheiros. Eu duvido que nós homens queiramos uma mulher assim para viver ao nosso lado, para ser a mãe dos nossos filhos. Gostamos sim de olhar, e imaginar a gostosa, mas é só isso, as mulheres inteligentes entendem e compreendem isso.

Queira do seu lado a mulher inteligente: "Vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois, ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida"...

Por que ter medo de dizer isso, por que ter medo de dizer: "amo você", "fica comigo"?


Então, não se importe com a opinião dos outros!"

A verdade sobre o puja - (Pedro Kupfer)


Você sabe o que significa é o pújá? Alguns praticantes acreditam que o pújá seja uma espécie de transferência de energia, uma saudação esquisita onde quem 'dá' o pújá perde alguma coisa, e quem o 'recebe', ganha energia e longevidade, força e mais alguma coisa nebulosa, arrancada à força do doador.

A palavra sânscrita pújá significa literalmente adoração. Na Índia, a palavra pújá é usada para descrever as diferentes formas de adoração aos deuses, seja no templo, seja em casa.

Um pújá é um ato de reverência do devoto em relação a uma determinada representação de Deus, indicado pela presença de um símbolo (uma escultura, uma imagem, uma fogueira sagrada, etc.).

Entre os procedimentos do pújá estão a invocação inicial ao Ishta devattá, a deidade eleita, chamada áváhana, o convite para sentar, a lavagem dos pés e atos de adoração mediante o oferecimento de flores, incenso, luz e alimento.

O pújá é precedido pelo sankalpa, a resolução interior de levá-lo a cabo. Na continuação se faz o múla mantra, o mantra invocatório, e se dá o nome da deidade à qual o ritual é dirigido. Depois se oferecem os elementos rituais e se fazem os mantras propiciatórios. O ritual conclui com o visarjana, o convite para que a deidade se recolha.

Conforme o tipo de pújá, se usam tradicionalmente grupos de vinte e um, dezesseis, dez ou cinco elementos rituais, chamados upachára. Dentre eles, os cinco elementos que constituem a matéria (pañchatattwa), aparecem simbolizados por oferendas de flores (pushpa), incenso (dhúpa), luz (dípa), alimentos (naivedya) e sândalo (chandana), significando éter, ar, fogo, água e terra respectivamente.

Esses procedimentos formais prescritos para o pújá buscam venerar uma das representações de Deus, na forma de um hóspede que se recebe dentro de casa. Estes atos são feitos em estado de meditação e vão acompanhados pela recitação de certos mantras e textos escriturais que variam conforme a tradição do pújári (aquele que faz o pújá).

O ritual do pújá conclui com a distribuição de prasáda, alimento que foi oferecido à deidade. A aceitação do prasáda é um ato de reconhecimento da deidade como a fonte de toda a felicidade, a realização espiritual, a paz e a prosperidade de que desfrutamos.

Outros sinônimos de pújá são vandaná, saparyyá, namasyá, arhaná e bhajan. O pújá do Bhakti Yoga se faz diariamente, dirigido à deidade de culto pessoal, Ishta devattá: Vishnu se a pessoa for vaishnava, Shiva ou Ganesha se for shaiva, Deví no caso de um shakta, etc. É um tipo de prática chamada kámya, que se faz para realizar algum objetivo.

A quem pertence a Terra? - (Leonardo Boff)


No Brasil se discute muito a questão da internacionalização da Amazônia ou a quem pertence essa rica porção do planeta Terra. Sem querer entrar nesta discussão que um dia retomarei, percebo que ela remete a outra ainda mais fundamental: a quem pertence a Terra?

Muitas são as respostas possíveis, algumas verdadeiras, outras insuficientes ou até falsas. Com certa naturalidade poderíamos responder: a Terra pertence aos humanos. Apelamos até à palavra das Escrituras que nos dizem: ”entrego-vos tudo...propagai-vos pela Terra e dominai-a”(Gn 9,3.7). Estranhamente, os humanos irromperam no cenário da evolução quando a Terra estava em 99,98% pronta. Eles não assistiram ao seu nascimento nem ela precisou deles para organizar sua complexidade e biodiversidade. Como pode lhes pertencer? Só a ignorância unida à arrogância os faz pretender a posse da Terra.

Poderíamos ainda responder: a Terra pertence aos seres mais numerosos que a habitam. Então ela pertenceria aos microorganismos - bactérias, fungos, vírus - pois constituem 95% de todos os seres vivos. Segundo o conceituado biólogo E. Wilson um grama de terra contem cerca de 10 bilhões de bactérias de 6 mil espécies diferentes. Imaginemos os quintilhões de quintilhões de micro-organismos que habitam a totalidade dos solos terrestres. Todos estes têm mais direito de posse da Terra do que nós, seja por sua ancestralidade, seja pelo número seja pela função de garantir a vitalidade do planeta.

Ou ela pertence à totalidade dos ecossistemas que servem à comunidade de vida, regulando os climas e a composição físico-química do planeta. Esta resposta é boa mas insuficiente porque esquece as relações que a Terra entretém com as energias e os elementos do universo.

Assim, a Terra pertence ao sistema solar que, por sua vez, pertence à nossa galáxia, a Via Láctea que, por fim, pertence ao cosmos. Ela é um momento de um processo evolucionário de 13,7 bilhões de anos.

Mas esta resposta não nos satisfaz pois ela remete a uma pergunta ulterior: e o cosmos a quem pertence? Pertence àquela Energia de fundo, ao Vácuo Quântico, ao Abismo alimentador de todos os seres, à Fonte originária de tudo. Esta é a resposta que os astrofísicos e cosmólogos costumam dar. E é correta. Mas não é ainda a última.

Cabe uma derradeira pergunta: a quem pertence a Energia de fundo do universo? Alguém poderia simplesmente responder: ela não pertence a ninguém, pois pertence a si mesma. Esta resposta é simplesmente uma não-resposta porque nos coloca diante de um muro. Ela nos remete à teologia, a Deus.

Mudando de registro e caindo na nossa realidade cotidiana e brutal dos negócios: a quem pertence a Terra? Ela, na verdade, pertence aos que detém poder, aos que controlam os mercados, aos que vendem e compram seu chão, seus bens e serviços, água, genes, sementes, órgãos humanos, pessoas feitas também mercadorias. Estes pretendem ser os donos da Terra e dispõem dela como bem entendem.

Mas são donos ridículos pois esquecem que não são donos deles mesmos, nem de sua origem nem de sua morte.

A quem pertence à Terra? Fico com a resposta mais sensata e satisfatória das religiões, bem representadas pela judaico-cristã. Nesta Deus diz: “Minha é a Terra e tudo o que ela contem e vocês são meus hóspedes e inquilinos”(Lv 25,23). Só Deus é senhor da Terra e não passou escritura de posse a ninguém. Nós somos hóspedes temporários e simples cuidadores com a missão de torná-la o que um dia foi: o Jardim do Éden.



Fonte: www.leonardoboff.com
Leonardo Boff é autor de Opção Terra. A solução da Terra não cái do céu. Record 2009.

Qual o compromisso da minha religião com a paz? - (Monja Coen)


"Nirvana é Paz.

Todos os seres podem atingir Nirvana.

No Budismo Mahayana o voto principal é de auxiliar todos os outros seres a encontrar Nirvana, antes de pensar em si mesmo.

A tradição Zen Budista Soto Shu tem três prioridades: Paz mundial, Direitos Humanos e a Ecologia. Esses três pilares interagem criando seres responsáveis e atuantes na comunidade.

A Paz não pode ser obtida através de guerras, lutas, vitórias nem derrotas.

A Paz, este estado de Nirvana é a própria prática do Caminho Correto. Somos aquilo que fazemos, falamos e pensamos. Somos paz quando falamos pensamos e fazemos a paz conosco e com tudo que nos cerca, propiciando condições de paz para todos os seres.

O Nirvana, a Paz, faz parte da interdependência da vida. Causas e condições favoráveis e se manifesta. Causas e condições adversas e não se manifesta. Criamos, com nossas vidas, com nossas palavras, gestos, pensamentos causas e condições para a Paz. Dentro e fora de nós.

Quantos mais átomos de paz houver no mundo, mais este mundo como um todo poderá encontrar maneiras de compreensão, compaixão, ajuda, cuidado mutuo e reconciliação. Temos de nos reconciliar com nós mesmos e com Buda, o Ser Iluminado. Temos de nos reconciliar com os outros humanos, com a grande natureza iluminada. Temos de nos reconciliar com a paz. Nunca lutar pela paz. Nem pessoas, nem grupos nem países podem ser considerados inimigos. O ser humano sofre basicamente de três males: ganância, raiva e ignorância. Seus antídotos são a doação, a compaixão e a sabedoria iluminada.
Mais do que a simples tolerância temos de desenvolver a capacidade de ouvir, entender, compreender e querer o bem a todos os seres. Isto inclui as águas, as terras, os céus e todas as formas de vida. Cuidar respeitosamente, inclusivamente, de tudo que inter existe.

Chamamos Buda ao Ser Desperto, aquele que Acordou, o Iluminado.

Há tantos Budas quanto grãos de areia no Ganges, dizia nosso fundador histórico."

Nossa prece é para que todos Budas se tornem Budas, transmitindo a maravilhosa mente de Nirvana, de Paz.

Fonte: www.monjacoen.com.br

sábado, 5 de dezembro de 2009

Livre - (Bruna Caram)

"Tá tudo bem…

Bem mais suave

Bem à toa.

Gosto dele nessa calma

- Nesse vôo -

Que eu nem sei se vai vingar

Se vai prender

Ou escapar

Se vai crescer

Ou vai cansar…



Eu gosto dele assim,

De um jeito que eu não sei se vai fugir

Ou vai ficar.

Se é doer

Ou é sarar.

Eu gosto dele e nele eu posso até passar…



Eu gosto dele sem moldura

Sem dispor, sem partitura,

Sem lugar, sem peso, nem peça, nem par.



Eu gosto dele e nele eu posso passear…






E há quem aposte

E até quem goste

De dizer, pra prevenir,

que eu posso vir a precisar

Desse querer que eu nunca quis fazer fincar.



Mas meu querer é meu querer

E faz melhor:

E só trazer sem exigir

Sem vir correndo se exibir

Nem vir correndo se amarrar.



É sem palpite, sem convite, sem revide, sem qualquer rigor de altar:

É claro, é puro, é sempre à toa,

É brilho que não quer pegar.

É reluzir

Sem relutar.



Eu gosto dele

Mesmo se ninguém olhar

Num gesto livre, a me levar

De um jeito leve, decidido, que não deve,

Que nem sabe pra que serve,

Nem se atreve a se gastar…"

Amado Mooji

Realidade ilusória? - (Fonte: Prana Yoga Journal)

O elefante irreal!

Uma vez, um yogi vivia numa densa floresta com seus discípulos. Ele ensinava o desapego e repetia incessantemente para os estudantes que o mundo manifestado é pura ilusão, que a natureza é uma miragem e que somente o Ser tem existência real. Um dia, um elefante furioso e faminto atacou a ermida onde eles moravam. Todos os praticantes, junto com o professor, se refugiaram no alto de uma grande árvore enquanto o elefante se refestelava no estoque de arroz deles.



Quando o animal foi embora, um estudante bastante perspicaz perguntou ao mestre: “Sempre aprendemos de você que o mundo é ilusório e que não tem existência real, mas não pude deixar de observar que, quando fomos atacados pelo elefante, você se refugiou junto conosco no alto da árvore. Se de fato o mundo é ilusório, não bastava ter ficado quieto no lugar enquanto a ilusão do elefante passava?” O mestre, sem perder a pose, respondeu: “Olha, nós sabemos que o mundo é uma ilusão, mas o elefante não sabe. Por isso, tive que fugir junto com vocês”.

Ouvi esta piada do meu mestre, Swami Dayananda quem, aula sim, aula não, nos lembra: we are reality people. “Somos gente da realidade”. Ele sempre nos convida para mantermos os olhos bem abertos, para não misturar as coisas e não perder o pé da realidade. Lembremos que o Yoga é mais sobre compreender a realidade e manter os pés firmes no chão, do que sobre ficar equilibrando-se nas mãos ou na cabeça.



O mundo é uma miragem?

A palavra maya se traduz freqüentemente como “ilusão”. Porém, é um erro traduzirmos maya dessa maneira. Esta palavra nunca foi utilizada nesse sentido pelo grande mestre Adi Shankaracharya, e nunca apareceu dessa forma nas escrituras. Os intérpretes do Neovedanta trouxeram esse novo significado que, infelizmente, confunde até hoje muitos praticantes. Supor que maya, que é o próprio universo manifestado, possa ser uma ilusão, nos leva a olhar para a vida e todas suas manifestações como algo irreal, o que é uma tremenda equivocação.

Quando alguém me diz que o mundo é ilusório, convido a pessoa para atravessar as paredes de um salto, para me demonstrar que isso é verdade. Até agora, não encontrei ninguém que pudesse demonstrar que o mundo não tem consistência. Qualquer tentativa nos leva de volta para a piada do elefante faminto: o mundo é ilusório, mas as pessoas não sabem; o mundo é irreal, mas tem alguns teimosos que afirmam que ele é real.



Significados de maya.

Indo ao dicionário sânscrito, veremos que, em primeiro lugar, maya significa “sabedoria”, “poder extraordinário”. Num segundo nível de significado, é também “truque de mágica”, “feitiçaria”, “fantasma”, e designa, ainda, algo falso ou irreal. Num outro nível ainda, a palavra maya aponta para as manifestações da Deusa.

Misturar níveis de significados ou descontextualizar um significado específico, levando-o para outro contexto, só pode resultar em errar o alvo. Por exemplo, se formos traduzir a palavra Yoga como “união”, e sutra como “barbante”, o nome Yoga Sutra poderia ser traduzido como “barbante da união”. Ninguém pode negar que essa tradução seja correta. No entanto, se formos nos referir à obra do sábio Patañjali, o certo seria traduzirmos o nome Yoga Sutra como “Aforismos do Yoga”. Ora, bem sabemos da importância que tem no estudo o uso correto da palavra. Como a palavra é usada para revelar conhecimento, a maneira de manejá-la exclui esse tipo de extravagância cirúrgica, que pode resultar num verdadeiro Frankenstein filosófico.

Podemos usar três diferentes categorias para classificar aquilo que percebemos na realidade: 1) real, 2) falso, e 3) inexistente. Basicamente tudo aquilo que fazemos na vida está pautado pela compreensão da diferença entre o que é verdadeiro, o que é falso, e o que é inexistente. Desde o ponto de vista de cada um, existem coisas que são mais importantes e outras menos. Damos obviamente prioridade àquilo que consideramos essencial. No entanto, pode haver uma confusão entre o que é e o que não é importante. Maya não é verdadeiro, nem falso, nem inexistente, como veremos a seguir.



Ouro e ornamento: satyam e maya.

Vamos aqui considerar a questão forma-essência refletindo sobre o exemplo clássico do metal e os ornamentos feitos com ele. Uma pulseira de ouro é essencialmente igual a um colar ou a um anel de ouro, no sentido que todos os ornamentos são somente ouro, sob formas distintas. Aquilo que chamamos pulseira, colar ou anel, é maya, o relativo, aquilo que muda. O ouro é a essência imutável, da qual os ornamentos estão feitos. Chamemos essa essência imutável de satyam, que significa verdadeiro, real.




Objetivamente falando, não existem pulseiras, colares ou anéis, mas somente ouro. Da mesma maneira, ensina Swami Dayananda, é com a realidade. Maya não é uma ilusão ou algo irreal: tem existência objetiva. No entanto, a existência de maya depende da presença do Ser. Desta forma, tudo o que existe é o Ser, assim como todos os ornamentos são, essencialmente, ouro. Não podemos afirmar que os ornamentos sejam ilusórios ou inexistentes. Mas, se precisarmos vender as jóias, o comprador irá nos pagar somente pelo peso do ouro, independentemente da forma que esse ouro tenha.

Portanto, o ouro é a verdade, e a jóia é o relativo. O que é o real, então? O ouro. O peso de uma pulseira não pode ser separado do peso do ouro com o qual ela está feita. A realidade da pulseira é ser ouro. A textura da pulseira é a textura do ouro. A pulseira não está no ouro. A pulseira é ouro.



O Ser está em todas as formas. O Ser transcende todas as formas.

Porém, precipitadamente, concluímos que, se a pulseira é ouro, o ouro também será pulseira. Esse é justamente o problema. E é aí que o conhecimento adequado do Ser pode indicar o sentido das coisas. Ouro é ouro. Compreendendo a natureza do ouro, constatamos que as eventuais formas que ele possa assumir não fazem parte dessa natureza. Por isso, somos capazes de reconhecer o ouro, independentemente da forma que este assuma. O ouro transcende as formas. Compreendendo que o ouro transcende todas as formas, somos capazes de reconhecê-lo sob qualquer forma.

Similarmente, se quisermos nos livrar de algum problema vinculado com as formas, é questão de lembrar que somos essência. Isso resolve todos os problemas existenciais, emocionais e outros. Há inúmeras formas, mas um único Ser. Não podemos afirmar que as diversas formas da criação não existam. Entretanto, tampouco podemos dizer que elas sejam verdadeiras (satyam), já que elas dependem da presença do Ser para existir. A realidade do ornamento é que ele não é satyam. Satyam é o ouro, e somente ele. O ornamento não é nem verdadeiro, nem falso, nem não-existente. O que é o ornamento? A resposta: maya.

Quando dizemos pulseira de ouro, a palavra ouro torna-se um adjetivo da pulseira. Um adjetivo que o diferencia das demais pulseiras. Assim surge a dualidade. Existem diferentes pulseiras. O ouro é satyam, é a realidade. A pulseira depende da existência do ouro. A palavra, assim, revela a nossa compreensão da realidade. A pulseira não é satyam; é maya. Para mantermos a clareza, precisamos lembrar que satyam jamais deveria tornar-se um adjetivo. A palavra satyam cobre aquilo que é; a palavra maya, aquilo com o que lidamos no mundo das formas. Maya é aquilo que possui uma forma, que exerce uma função na criação, que é útil.



Somente precisamos descartar os nossos erros.

Então, este Ser, este satyam, dá origem às miríades de objetos, da mesma forma que do ouro surgem todos os ornamentos. De uma tonelada de ouro, derivam os diferentes ornamentos. Depois desses ornamentos serem confecionados, quanto ouro existe? A mesma tonelada. A tonelada de ouro foi reduzida a um milhão de jóias. Antes, havia uma tonelada. Agora, há uma tonelada. Isso nos remete ao belo mantra Purnamadah, que diz: “tirando-se a Plenitude da Plenitude, somente a Plenitude permanece”.

Reconheçamos a verdade: somos ouro, não ornamentos. O significado das diversas palavras é maya, pois todas elas dependem da Consciência. Não obstante, o significado da palavra Consciência (desde que não seja usada como adjetivo), é somente satyam.

Felizmente, esta Consciência é auto-revelada. Esse é o significado da palavra você na afirmação védica tat tvam’asi: “você é Isso [a Consciência]”. O ponto em que a palavra você se resolve, é em Você mesmo: Você é Ilimitado. Não estamos descartando nem negando mais nada, além das nossas próprias confusões. Não estamos negando os objetos. Somente os erros. Não precisamos, portanto, negar as coisas do mundo. Não precisamos negar aquilo que é relativo para compreender o verdadeiro. Não precisamos negar maya para compreender satyam. Namaste!



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Publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal: www.eyoga.com.br
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