sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Aprendendo a ouvir - (Tomas Downey)

“Aprender a ouvir” soa tão simples. Mesmo assim, ouvir conscientemente requer força de vontade. Podemos ouvir um som, mas não capta-lo conscientemente. Pode-se perguntar, “Ouviu aquilo? O que era?” Respondemos que achamos ter ouvido alguma coisa, mas não temos idéia do que.

Algumas vezes, nossas vidas podem ser assim, escutando mas não ouvindo. Repentinamente, sentimo-nos surpresos, chocados ou atônitos pelo que está acontecendo ao nosso redor ou conosco, como se tivesse vindo de nenhum lugar, sem aviso. Podemos procurar um amigo de confiança, que pode recomendar que falemos com outros, talvez um professor, um conselheiro ou um doutor.

Basicamente, de amigos confiáveis, a conselheiros respeitáveis e a especialistas recomendados, é o ato de ouvir que lhes permite ajudar, cada um de sua maneira. Ouvindo não apenas o que dizemos, mas o como estamos. Todavia, mesmo quando tentam nos ajudar, cada um deve ter uma visão ou interesse em nossa situação, inteligível e limitada. Então, porque não aprender a ouvir a nós mesmos?

Apesar de cada aspecto da vida oferecer a oportunidade de ouvir e aprender, freqüentemente não permitimos que isto aconteça por causa dos nossos padrões habituais, que trazem para nossa memória eventos passados e associações para referência. Então, com freqüência agimos de acordo com o que costumava acontecer, ao invés de agir de acordo com o que está acontecendo. Isto pode ser chamado de “mente velha”, uma mente que não está aberta para novas maneiras de pensar, ver ou agir. Algumas vezes estamos simplesmente preocupados com os pensamentos desta mente velha.

Veja o exemplo de ir a um concerto musical com um amigo, que está perdido em pensamentos durante a maior parte do espetáculo e assim, não está apreciando a apresentação ou o som do violino. Ele está, em conseqüência, perdendo algo bem na sua frente. Ou, se alguém próximo a nós está tentando abordar um assunto sensível, estamos completamente presentes para ele?

Se nosso corpo envia indicações de problemas potenciais, apenas ignoramos? E o mais importante, se nosso coração está oferecendo conselho, estamos muito ocupados para sermos incomodados?

“Ouvir verdadeiramente significa que podemos receber de qualquer fonte – grandes professores, um conhecido, um estranho, um animal, uma planta, uma montanha.” Com efeito, podemos aprender com todos e tudo. E, claro, isto inclui a nós mesmos.

Entretanto, a fonte mais importante está dentro de nós, não fora. “Aprender a ouvir é o passo mais importante na direção de estar preparado para encontrar a ‘fonte especial’, que reside em nosso coração. Mas não é sempre fácil. Quanto mais pensamos que sabemos de algo, menos tendemos a ouvir”. De alguma forma, parece que perdemos nossa conexão, nossa ligação com nosso próprio coração.

Podemos imaginar nosso coração como um jardim, um castelo, um topo de montanha ou uma ilha. Arbustos sombrios, guardas ferozes, espíritos assustadores ou um oceano turbulento podem cercar nosso coração. Podemos nos ver vagando a esmo por caminhos incertos de nosso coração, tentando encontrar um caminho para casa. Aprender a ouvir pode, gradualmente, nos levar a descobrir o caminho direto de volta ao nosso coração.

Isto destaca um interessante aspecto sobre ouvir: na maioria das vezes, precisamos de alguém ou de algo que ajude nossa capacidade de ouvir a crescer e a desenvolver. Eles nos ajudam a parar, pausar ou pelo menos diminuir a velocidade e prestar atenção para uma mudança, mesmo que breve. Um ‘alguém’ normalmente auxilia mais do que um “algo”. Um péssimo acidente no trânsito pode nos fazer dar mais valor para a preciosidade da vida. Mas é um bom amigo ou um professor que nos ajudará a construir essa avaliação, trazendo mais discernimento.

Nossa capacidade de ouvir, não do hábito, mas do estar presente no momento, é “adquirida lentamente, por um processo que possui dois componentes – um espelho e alguém olhando dentro dele”. Alguém em quem confiamos e respeitamos pode atuar como um espelho, refletindo como nós estamos. Mas devemos estar desejosos para olhar nosso próprio reflexo. Além disto, não devemos confundir o ‘espelho’ e a nossa imagem refletida nele.

Essa confusão acontece com freqüência, quando desenvolvemos um relacionamento de muita confiança com um conselheiro ou professor. Sua função é principalmente nos ajudar a encontrar nosso caminho e não necessariamente ser um amigo sempre sorridente. Assim, agindo como um espelho para nós, um amigo ou um professor pode refletir coisas que de outro modo não veríamos ou relacionaríamos. Em resposta, podemos ficar bravos com eles. Além de escolher nosso conselheiro sabiamente, devemos ser sábios conosco, sobre o que estamos realmente procurando. Não podemos ficar dependentes de um conselheiro. Igualmente importante, um verdadeiro professor não encoraja a dependência, mas sim a independência.

Através de um relacionamento estudante-professor, baseado em respeito mútuo e verdade, a capacidade de ouvir será desenvolvida e perceberemos coisas que não reparamos antes.

Com a orientação de um bom professor, há muitos meios ou ferramentas que podemos usar para desenvolver nossa capacidade de ouvir. Por exemplo, empenhar-se em uma prática com movimentos especiais do corpo, onde nossa atenção esteja voltada para praticar somente de uma forma que seja adequadamente benéfica para nós.

Ouça o seu corpo. Onde o alongamento se torna tensão? Como fazer algo dez vezes, ao invés de 5, deixa você no dia seguinte? Simplesmente observar, ouvir e prestar atenção às mensagens do seu corpo, é uma prática que vale a pena por si só. Com freqüência, precisamos diminuir um pouco o ritmo, tanto mental quanto físico, para fazer isto direito. Nosso senso de estabilidade, assim como a flexibilidade, aumenta.

Ouça a sua respiração. Ficando à vontade com o nosso corpo, naturalmente tendemos a ficar mais atentos à nossa respiração. Isto é extremamente útil no desenvolvimento da nossa capacidade de ouvir. A respiração é uma ligação tanto consciente quanto inconsciente entre a mente e o corpo. Uma respiração irregular revela uma mente ou corpo que não está relaxado de alguma forma. Trabalhar conscientemente com a respiração, em harmonia com o movimento, promove o aumento da consciência de si mesmo e facilita o relaxamento. Nos sentimos mais arranjados com nós mesmos.

Ouça a sua mente. Enquanto progredimos no aprendizado de relaxar nosso corpo e respiração, nossa mente aprende a relaxar também. Se feito adequadamente, permite a “atenção sem tensão”. Começamos a ouvir em um nível mais interior, com crescente claridade. Pensamentos vêm e vão, cada vez com menos distrações.

Ouça seu coração. Uma forma muito bela e fascinante de unir intuitivamente o corpo, a respiração e a mente é trabalhar com sons. Cantar sons sagrados, ou frases com significado para nós, traz uma atmosfera inteiramente nova para nossa mente. De todas as ferramentas, parece a mais capaz de acalmar e focar a mente, ao mesmo tempo em que toca e abre o coração. Um movimento sutil, mas profundo, em nossa percepção de ser, acontece da cabeça para o coração. Não há nada mais profundo ou central do que isso. Gradualmente, nosso corpo, respiração e mente tornam-se partes chaves do sistema de apoio nessa jornada, ao invés de obstáculos ou distrações.

Ouça o seu mundo e tudo o que acontece nele. Aprendemos a ‘estar aqui por nós mesmos’. Agora, podemos aprender a ‘ estar lá pelo outros’ também.

A jornada de aprender a ouvir, com freqüência, requer um “ardente, progressivo e ininterrupto compromisso durante um extenso período de tempo”. Uma vez que isto seja feito com facilidade, talvez até sem esforço, continua como uma parte saudável e natural de ser quem somos.

Essas são apenas uma poucas abordagens para desenvolver e explorar nossa habilidade natural de ouvir.

Aprender é ouvir e ouvir é aprender sobre o nosso mundo, sobre nós mesmos. Que possa toda nossa audição nos levar para o mais espetacular local de escuta que há – nosso coração.

Todas as citações e paráfrases são de um pequeno e maravilhoso livro titulado “O que Estamos Procurando”, “What Are We Seeking” de T.K.V. Desikachar, que inspirou este artigo.

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